1. Introdução
 
1.1. Motivação
   
     Vivemos em um período divisor de águas da história da humanidade. As mudanças induzidas pelo homem nos sistemas físicos da Terra - entre eles o clima, o ciclo da água e a biodiversidade - ameaçam crescentemente deteriorar de forma irreversível os ecossistemas e as condições de vida no planeta. O abismo social que aparta ricos e pobres vem se aprofundando no mundo e mais de um bilhão de pessoas ainda vivem abaixo da linha da pobreza [9]. "O atual modelo de desenvolvimento global é insustentável" [9]. É evidente que um progresso duradouro só pode provir de novos paradigmas de desenvolvimento que assegurem, ao mesmo tempo, crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental.

  

Figura 1 – Lógica do desenvolvimento sustentável. Fonte: [11].

     A expansão em ritmo exponencial das cidades tem sido o principal fator desencadeante das mudanças climáticas globais. Isso se deve ao fato de que o crescimento da atividade econômica, a industrialização e o nível de consumo associados às cidades acarretam transformações nos ambientes físico e natural. Tal conclusão é fundamentada por estatísticas simples: as cidades consomem 75% da energia do planeta e produzem 80% das emissões de gases de efeito estufa [6]. A urbanização vertiginosa e desgovernada vem também agravando criticamente a qualidade de vida de populações urbanas e a dificuldade de se administrar as cidades. A noção de "cidades inteligentes" surge como uma proposta de solução desses problemas.

1.2. Conceptualizando o termo "cidade inteligente" [1]
   
     Uma vez que as complicações decorrentes do processo de urbanização podem ser abordadas de maneiras diversas, o rótulo "cidade inteligente" tem sido usado e interpretado de diferentes formas. Exemplificando, enquanto uns o associam essencialmente ao papel crescente da tecnologia da informação e das comunicações (TIC) no progresso das cidades, outros vêem o capital humano, as relações sociais e o cuidado com o meio-ambiente como os principais fatores determinantes da sustentabilidade do desenvolvimento urbano. Algumas das características de uma "cidade inteligente" comumente citadas e das ideias mais difundidas que se tem a respeito desse rótulo são expostas a seguir.

  • "A utilização de uma infraestrutura de rede para melhorar a eficiência econômica e política e possibilitar o desenvolvimento social, cultura e urbano", onde o termo 'infraestrutura' refere-se a serviços de habitação, lazer e estilo de vida e a TICs. Essa visão sustenta a ideia de uma cidade conectada como principal modelo de desenvolvimento e a conectividade como sua fonte de crescimento.
  • "A ênfase no desenvolvimento urbano orientado a negócios". Apesar de essa perspectiva dar um peso excessivo ao aspecto econômico no progresso das cidades, ela é corroborada empiricamente, pois pesquisas mostram que as cidades receptivas a novos negócios estão em sua maioria entre as que apresentam um desempenho socioeconômico satisfatório.
  • "Um forte foco na busca da inclusão social da totalidade dos residentes urbanos nos serviços públicos".
  • "Cidades que querem ser bem sucedidas devem atrair mão de obra criativa". Apesar da presença de força de trabalho qualificada e inventiva não assegurar um bom desenvolvimento urbano, esse fator é decisivo para o sucesso das cidades em uma economia globalizada e fortemente baseada no conhecimento.
  • "Uma cidade inteligente é uma cidade cuja comunidade aprendeu a aprender, a adaptar e a inovar". A evolução de uma cidade em termos econômicos, sociais e ambientais depende em grande medida de sua capacidade de criar um ambiente favorável à inovação nos vários setores da sociedade, aliciando governos, indústrias, empresas, universidades e centros de pesquisa, organizações, comunidades e cidadãos para trabalhar cooperativamente. Com efeito, a inovação é o processo através do qual são encontradas soluções para problemas abrangendo desde a luta contra doenças fatais até as mudanças climáticas, é a fonte essencial de melhoria de nossa qualidade de vida e da de nossos descendentes.
  • "O desenvolvimento social e sustentável como um dos principais componentes das cidades inteligentes". É evidente que um progresso duradouro só pode provir de novos paradigmas de desenvolvimento que assegurem, ao mesmo tempo, crescimento econômico, justiça social e sustentabilidade ambiental.

     Um grupo de pesquisadores de diferentes universidades conduziu recentemente o projeto Cidades Inteligentes Europeias, o qual sugere que uma cidade deve ser considerada inteligente se apresentar progresso substancial em seis dimensões: governança inteligente, cidadãos inteligentes, ambiente inteligente, mobilidade inteligente, economia inteligente e modos de vida inteligentes. Esse trabalho foi fundamentado pelo estado da arte do conhecimento sobre cidades inteligentes e por teoria regionais e neoclássicas de crescimento e desenvolvimento urbano [6]. Com base nele, o paper "Smart cities in Europe" estabeleceu pela primeira vez uma definição vastamente admitida no meio científico: "uma cidade é dita inteligente quando investimentos em capital humano e social em conjunção com uma infraestrutura de comunicação tradicional (transporte) e moderna (TIC) alimentam um crescimento econômico sustentável e uma elevada qualidade de vida, com uma administração eficiente dos recursos naturais, através de uma governança participativa".


  

Figura 2 – As seis dimensões nas quais uma cidade inteligente deve apresentar bom desempenho. Fonte: [4].

1.3. O projeto Cidades Inteligentes Europeias [4]
   
     O projeto Cidades Inteligentes Europeias estabeleceu um ranking de "inteligência" de 70 cidades de médio porte europeias. Ele foi construído a partir de 74 indicadores associados a 31 fatores que qualificam as 6 dimensões (ou características) da figura acima.


  

Figura 3 – A estrutura das dimensões, dos fatores e dos indicadores envolvidos na mensuração da "inteligência" de cidades. Fonte: [4].

1.4. A abordagem deste trabalho
   
     Nos próximos seis capítulos, examinaremos cada uma das seis dimensões a partir das quais se define cidades inteligentes. Em seguida, analisaremos três casos de cidades inteligentes para então dissertar sobre as perspectivas futuras desse framework de desenvolvimento urbano.