Introdução

Autores: Lucas Chagas, Raphael Evangelista Filene

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Departamento de Engenharia Eletrônica (DEL)

Engenharia de Computação e Informação (ECI)

EEL878 - Redes de Computadores 1 - 2018.1

Professor: Luís Henrique M. K.

História

O desenvolvimento do Bluetooth se iniciou em meados da década de 1990, buscando uma forma de permitir a comunicação entre celulares e acessórios sem necessitar de cabos para ligá-los. A ideia era realizar essa comunicação através de ondas de rádio de baixo custo, e foi inicialmente concebido e financiado pela empresa Ericsson. Entretanto, logo o projeto começou a receber apoio de outras empresas, e foi assim criado o Bluetooth SIG (Bluetooth Special Interest Goup) em 1998, inicialmente formado pelas empresas Ericsson, Intel, IBM, Nokia e Toshiba, mas muitas outras aderiram com o passar do tempo.

Suas versões iniciais (nomeadas 1.0 e 1.0B) apresentavam problemas na interoperabilidade entre dispositivos via bluetooth. Muitos desses problemas foram resolvidos e alguns aprimoramentos foram feitos nas subsequentes versões 1.1 e 1.2. A velocidade de transferência de dados na versão 1.2 era de 721 Kb/s.

As próximas versões a serem lançadas foram as 2.0 e 2.1, com a maior novidade sendo o EDR (Enhanced Data Rate), que aumentava a velocidade de transferência para até 2.1 Mb/s. A seguir foi lançado a versão 3.0, que novamente trazia maiores velocidades com o HS (High Speed), podendo atingir até 24 Mb/s.

Em dezembro de 2009, foi anunciada a versão 4.0. O principal diferencial desta versão, e que será o foco abordado neste trabalho, é o LE (Low Energy). Este permite uma economia de energia muito maior comparado ao gasto energético das versões anteriores.

No fim de 2013, foram lançadas as especificações da versão 4.1. Esta foi uma revisão da versão anterior, que buscava tornar a tecnologia ainda mais acessível para dispositos que se enquadravam na chamada Internet das Coisas.

O último upgrade à versão 4 foi apresentado no final de 2014. A versão 4.2 trazia ainda mais melhorias, desta vez destacando-se a implementação de um suporte ao IPv6 e a adoção de um novo método de criptografia (FIPS), melhorando a segurança e garantindo que apenas dispositivos devidamente autorizados pudessem se conectar a outros. Com a adição do LE na versão 4, introduziu-se um novo método de transferência de dados em rajada, com velocidade de até 1Mb/s.

Finalmente, a versão mais recente foi apresentada no fim de 2016. O Bluetooth 5 permitia a comunicação em distâncias de até 40 metros (sendo que os anteriores trabalhavam em média com até 10 metros), e velocidade de transferência de até o dobro da oferecida na versão 4.2, ou seja, de até 2Mb/s. Este manteve as tecnologias adotadas em versões anteriores, inclusive a Low Energy.

Low Energy

O Bluetooth Low Energy é uma técnica que apareceu na versão 4.0 do Bluetooth. Enquanto versões mais antigas do Bluetooth, conhecido como Bluetooth Classic, eram comumente utilizadas em aplicações como fones de ouvido e auto-falantes sem fio, que requerem uma transmissão constante (stream) de dados, o foco do Bluetooth Low Energy está em aplicações de curto alcance, baixa transferência de dados e maior vida útil de bateria. Alguns exemplos de aplicações seriam smart watches, sensores para Internet das Coisas, monitoramento de saúde e automação domiciliar. Estas e outras aplicações serão vistas com maior detalhes em seu respectivo tópico.

Sony SmartWatch

Como o nome indica, o baixo gasto de energia é seu aspecto mais importante, permitindo sensores em algumas aplicações funcionarem por múltiplos anos a partir de uma única bateria. Chips de bluetooth de baixa energia possuem um gasto energético consideravelmente menor que os de versões anteriores; esse menor gasto é obtido pois estes passam grande parte do tempo inativos, até que surja a necessidade de transferência de dados. Quando essa necessidade ocorre, o chip fica ativo, anuncia a necessidade de se comunicar com outro dispositivo, envia seus dados, e então volta à seu modo inativo.

O bluetooth de baixa energia foi desenvolvido de modo que, ao invés de manter um taxa de transmissão alta e constante, os dados sejam transmitidos em rajadas de aproximadamente 1 Mb/s (2 Mb/s para Bluetooth 5). O tempo de setup e transferência dos dados pode ser de até 3ms, providenciando um método de operação de baixa latência que é eficiente para pequenas rajadas.

Arquitetura

Frequência e funcionamento

O Bluetooth é uma tecnologia criada para funcionar no mundo todo, razão pela qual se fez necessária a adoção de uma frequência de rádio aberta e aceita em praticamente qualquer lugar do planeta. A faixa ISM (Industrial, Scientific, Medical), que opera à frequência de 2,45 GHz, é a que me mais se aproxima dessa necessidade, sendo utilizada em vários países, com variações que vão de 2,4 GHz a 2,5 GHz.

Como a faixa ISM é aberta, isto é, pode ser utilizada por qualquer sistema de comunicação, é necessário garantir que o sinal do Bluetooth não sofra interferência, assimo como não a gere. O esquema de comunicação FH-CDMA (Frequency Hopping — Code-Division Multiple Access), utilizado pelo Bluetooth, permite tal proteção, pois faz a frequência ser dividida em vários canais.

O dispositivo que estabelece a conexão muda de um canal para outro de maneira bastante rápida. Esse procedimento é chamado "salto de frequência" (frequency hopping) e permite que a largura de banda da frequência seja muito pequena, diminuindo sensivelmente as chances de interferência. No Bluetooth, pode-se utilizar até 79 frequências (ou 23, dependendo do país) dentro da faixa ISM, cada uma "espaçada" da outra por intervalos de 1 MHz.

Como um dispositivo se comunicando via Bluetooth pode tanto receber quanto transmitir dados (modo full-duplex), a transmissão é alternada entre slots para transmitir e slots para receber, um esquema denominado FH/TDD (Frequency Hopping / Time Division Duplex). Esses slots são canais divididos em períodos de 625 µs (microssegundos). Cada salto de frequência deve ser ocupado por um slot, fazendo com que se tenha, em 1 segundo, 1.600 saltos.

No que se refere ao enlace, isto é, à ligação entre o emissor e receptor, o Bluetooth faz uso, basicamente, de dois padrões: SCO (Synchronous Connection-Oriented) e ACL (Asynchronous Connection-Less).

O primeiro estabelece um link sincronizado entre o dispositivo emissor e o dispositivo receptor, separando slots para cada um. Assim, o SCO acaba sendo utilizado principalmente em aplicações de envio contínuo de dados, como transmissão de voz. Por funcionar dessa forma, o SCO não permite a retransmissão de pacotes de dados perdidos. Quando ocorre perda em uma transmissão de áudio, por exemplo, o dispositivo receptor acaba reproduzindo som com ruído.


A diferença no low-energy

A tecnologia Bluetooth clássica é um rádio "orientado para conexão", com um intervalo de conexão fixo ideal para conexões de alta atividade, como telefones celulares conectados a fones de ouvido sem fio. Em contraste, a tecnologia Bluetooth de baixa energia emprega um intervalo de conexão variável que pode ser definido de alguns milissegundos a vários segundos, dependendo da aplicação. Além disso, como possui uma conexão muito rápida, a tecnologia Bluetooth de baixa energia normalmente pode estar em um estado "não conectado" (economia de energia) em que as duas extremidades de um link estão cientes umas das outras, mas só se ligam quando absolutamente necessário e então pelo menor tempo possível.

O modo operacional da tecnologia Bluetooth de baixa energia é ideal para a transmissão de dados de sensores sem fio compactos (trocando dados a cada meio segundo) ou outros periféricos como controles remotos, onde comunicação totalmente assíncrona pode ser utilizada. Esses dispositivos enviam baixos volumes de dados (ou seja, alguns bytes) com pouca freqüência (por exemplo, de algumas vezes por segundo para até uma vez a cada minuto).


Uma história de dois chips

Existem dois tipos de chips que juntos formam a arquitetura do Bluetooth de baixa energia: modo único (single mode) e modo duplo (dual mode). Um dispositivo de modo único é um chip exclusivo do Bluetooth de baixa energia e é novo na especificação Bluetooth - é a parte da tecnologia otimizada para a operação ULP. Os chips de modo único podem se comunicar com outros chips de modo único e chips de modo duplo quando estes últimos usam a parte da tecnologia Bluetooth de baixa energia de sua arquitetura para transmitir e receber. (Veja a figura abaixo) Chips de modo duplo também terão a capacidade de comunicação com a tecnologia Classic Bluetooth e outros chips de modo duplo usando sua arquitetura Bluetooth convencional.

Chips de modo duplo usarão a parte de Bluetooth de baixa energia de sua arquitetura para se comunicarem com dispositivos de modo único.

Chips de modo duplo serão usados em qualquer lugar que um chip Bluetooth clássico é usado atualmente. A consequência é que os telefones celulares, PCs, Dispositivos de Navegação Pessoal (Personal Navigation Devices - PNDs) ou outras aplicações equipadas com um chip dual mode serão capazes de se comunicar com todos os dispositivos clássicos Bluetooth já existentes no mercado, bem como todos os futuros dispositivos Bluetooth de baixa energia. No entanto, como eles precisam executar tanto as tarefas de Bluetooth de baixa energia como as do Bluetooth clássico, os chips de modo duplo não são otimizados para a operação ULP no mesmo grau dos dispositivos de modo único.

Os chips de modo único podem operar por longos períodos de tempo (meses ou até anos) a partir de uma bateria de célula tipo moeda, como 3V, 220mAh CR2032. Em contraste, a tecnologia Bluetooth Classic (e dispositivos de modo duplo de Bluetooth de baixa energia) normalmente requer a capacidade de pelo menos duas células AAA (que têm 10 a 12 vezes a capacidade de uma célula tipo moeda e tolerância de pico muito maior) e muitas vezes mais, para alimentá-los por dias ou semanas no máximo (dependendo da aplicação). (Observação: existem alguns aplicativos Bluetooth clássicos altamente especializados que podem ser executados em baterias com capacidade menor que as células AAA.)

Aplicações

A tecnologia Bluetooth, ao permitir que dispositivos se conectem sem a necessidade de estarem fisicamente ligados, torna possível o desenvolvimento de um grande número de aplicações. Esse número somente aumentou com o Low Energy, possibilitando que estes dispositivos permaneçam funcionais por meses ou até anos em pequenas baterias. Buscando manter os dispositivos compatíveis entre si, o Bluetooth SIG criou diversos perfis (especificações de interface para comunicação entre dispositivos baseados em Bluetooth), que devem ser seguidos pelos produtores quando novos dispositivos forem criados (cada aparato pode implementar diversos perfis). Todas as aplicações de baixa energia atualmente são baseadas no GATT (Generic Attribute Profile), uma especificação genérica para o envio e recebimento de pequenos pedaços de data conhecidos como "atributos" por um link de baixa energia.

Dentre os perfis criados, alguns dos que possuem maior quantidade de aplicações são os voltados à saúde. Destacam-se: BLP (Blood Pressure Profile), para medição da pressão sanguínea; HTP (Health Thermometer Profile), para medição da temperatura corporal; GLP (Glucose Profile), para monitoramente do nível de glicose no sangue; HRP (Heart Rate Profile), para dispositivos que medem o batimento cardíaco; dentre outros.

Outros perfis que apresentam uma grande gama de aplicações incluem os de detecção de proximidade, os de aplicações em automóveis e os de equipamentos eletrônicos. O bluetooth é muito utilizado em sensores no geral, estes constituindo uma parte considerável de onde ele é aplicado atualmente, com várias aplicações surgindo na área da Internet das Coisas.

Outra aplicação importante é o CSR Mesh, lançado em 2014 pela Cambridge Silicon Radio. Este protocolo utiliza Bluetooth de baixa energia para se comunicar com outros dispositivos Bluetooth de baixa energia na rede, com cada dispositivo podendo passar informação para o próximo. Isso possiblita, por exemplo, desligar todas as luzes de um prédio através de um único smartphone. Esse protocolo atraiu o interesse de vários grupos, de modo que o Bluetooth SIG criou um grupo de pesquisa para Smart Mesh, de modo a definir onde e como ele pode ser utilizado com o intuito de criar uma especificação padrão.

Conclusão

A tendência dos avanços tecnológicos é procurar fazer muito com cada vez menos recursos. Para isso, procura-se cada vez mais otimizar o uso da energia nos mais diversos ramos da tecnologia, e com o Bluetooth não é diferente. Se o Bluetooth auxilia na independência de meios físicos para conexões, a Low-Energy veio para ampliar ainda mais o uso desta ferramenta. Com uma arquitetura simples e barata, com tamanho reduzido e baixo consumo energético, o BLE se adapta bem a sensores, relógios, aparelhos de saúde, etc. É um passo a mais na caminhada humana para um mundo sem fronteiras.

FAQ

Quais são os modos de conexão do dispositivo BLE?

O modo "escravo" que se conecta e envia dados a apenas um dispositivo denominado "mestre", e o modo "mestre" que pode se conectar a um ou vários dispositivos "escravos".

Cite alguns motivos que tornam a tecnologia BLE econômica.

Possui baixa taxa de tráfico, com transmissões da ordem de milisegundos e possui um mecanismo que deixa o sistema no estado "dormindo" na maior parte do tempo.

O BLE é um substituto do Bluetooth clássico?

Não. O Bluetooth clássico trabalha com tráfego contínuo enquanto que o BLE tem tráfego baixo e de transmissões curtas para diminuir seu consumo de energia. Assim, os propósitos delas são distintos, cabendo a utilização de uma ou outra de acordo com a finalidade e necessidade do produto em questão.

É possível haver interferência entre um sinal Bluetooth e um sinal de Wi-Fi? Se sim, existe alguma maneira de minimizar este problema?

Sim, é possível uma vez que ambos operam numa frequência de 2.4Ghz. Porém, o BLE possui um mecanismo denominado AFH (Adaptative Frequency Hopping) que evita utilizar as frequências já ocupadas.

Referências

[1] GALEEV, Mikhail. Bluetooth 4.0: An introduction to Bluetooth Low Energy – Part I. EE Times, set. 2011. Disponível em: https://www.eetimes.com/document.asp?doc_id=1278927 Acessado em 8 de Abril de 2018.

[2] WHITTAKER, Tim. Bluetooth low energy (BLE) explained. EE Times, jul. 2011. Disponível em: https://www.eetimes.com/document.asp?doc_id=1278968 Acessado em 8 de Abril de 2018.

[3] FURSET, Kjartan. Inside Bluetooth low-energy technology. EE Times, nov. 2010. Disponível em: https://www.eetimes.com/document.asp?doc_id=1278425 Acessado em 8 de Abril de 2018.

[4] GOMEZ, C.; OLLER, J.; PARADELLS, J. Overview and Evaluation of Bluetooth Low Energy: An Emerging Low-Power Wireless Technology. Sensors, v. 12, n. 9, p.11734-11753, ago. 2012. Disponível em: http://www.mdpi.com/1424-8220/12/9/11734/pdf Acessado em 8 de Abril de 2018.

[5] HENLEY, Allen. Bluetooth Low Energy 101, oct. 2016. Disponível em: https://www.rfglobalnet.com/doc/bluetooth-low-energy-0001 Acessado em 8 de Abril de 2018.

[6] HENLEY, Allen. Bluetooth 5: More speeds, more range, new RF tests, nov. 2017. Disponível em: https://www.edn.com/design/test-and-measurement/4459086/Bluetooth-5--More-speeds--more-range--new-RF-tests Acessado em 8 de Abril de 2018.

[7] BLUETOOTH SIG. Bluetooth Specifications Version 4.0. Disponível em http://www.bluetooth.org Acessado em 8 de Abril de 2018.

[8] BLUETOOTH SIG. Bluetooth Specifications Version 5.0. Disponível em http://www.bluetooth.org Acessado em 8 de Abril de 2018.

[9] ALECRIM, Emerson. Tecnologia Bluetooth: o que é e como funciona? Disponível em https://www.infowester.com/bluetooth.php Acessado em 6 de Maio de 2018.

Declaração de Autoria

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